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quarta-feira, 22 de junho de 2011

"O ego não pode escapar de si mesmo"

Para um impulso instintual, a fuga não tem qualquer valia, disse Freud. É nesta toada que o post de hoje abordará sobre a repressão.

A repressão é um mecanismo de defesa que só se inicia quando há a diferenciação entre o consciente e o inconsciente, ou seja, quando há o julgamento. Não é uma defesa desde o início da vida. Na nossa cultura, a repressão repousa totalmente sobre a coerção de nossas pulsões (pulsão, para a psicanálise, é a representação psíquica dos instintos. Cada indivíduo lida com essas representações de um jeito, pois está ligada à idéia dos afetos. Ou seja, você pode ter tido uma mãe que te deu o alimento, mas não conseguiu dar o afeto, o acolhimento, o olhar e afins que complementam esse alimento). A coerção acarreta alguns efeitos nefastos, como as neuroses e as psicoses.

Nosso ego sempre procura o prazer, o nirvana. Assim, quando o motivo do desprazer é maior que o do prazer, da satisfação, instaura-se a condição para que haja a repressão. O objetivo é, portanto, rejeitar e manter algo desprazeroso longe da consciência. No entanto, a repressão não surge nos casos em que a tensão produzida pela falta de satisfação do impulso instintual é elevada a um grau insuportável, como no caso da fome, da dor, pois estes são imperativos e a mente não dá conta de arranjar defesas contra este tipo de instinto.

A satisfação do instinto é agradável em si mesma, mas irreconciliável com outras reivindicações, intenções. Ou seja, causa prazer de um lado, mas desprazer de outro. Imagine só se todos fizessem aquilo que dá prazer o tempo todo. Provavelmente não haveria sociedade e cultura.

A repressão acontece em duas fases, segundo Freud. Na primeira, chamada repressão primeva/primordial o acesso ao representante psíquico do instinto é negado pelo consciente e eis que surge a fixação: o representante em questão continua inalterado e o instinto permanece ligado a ele. Há a fixação pois essa negação do consciente ao representante psíquico "perturba" o desenvolvimento e o fluir psíquico de determinado
indivíduo. E como as coisas simplesmente não somem da mente, a via que se encontra é permanecer fixado em determinada fase. E é à partir disso que se fala em fixação oral, anal e afins. Mas aí já é prosa pra outro post.

A segunda fase é a chamada repressão propriamente dita, quando afeta os derivados mentais do representante que fora reprimido - pensamentos que se associaram ou fixaram ao instinto principal - mas estes acabam sofrendo o mesmo destino da repressão. A repressão, portanto, segundo Freud, é uma pressão posterior. E tudo aquilo que a mente  fixa, estabelece como ligada ao primevamente reprimido é tão importante quanto este. Claro, pois a repressão só realmente ocorre quando há a repulsa dos derivados do que fora antes reprimido.

Bem, como o título bem o coloca, o ego não escapa de si. Se você vai ao Japão, sua mente vai junto. Neste sentido, o representante instintual continua a existir no inconsciente embora fugido da consciência. Além da idéia associativa, outro elemento representativo do instinto é levado em consideração e passa pela vicissitude da repressão: a quota de afeto. O afeto geralmente é transformado em ansiedade e é considerado mais importante que a idéia em si. É por conta disso que se insiste ao paciente que este verbalize o que lhe vem à mente, sem crítica ou idéias tensionais. Freud colocou que no decorrer deste processo o paciente desfia suas associações até ser levado de encontro a um pensamento cuja relação com o reprimido fique tão óbvia, que o force a repetir sua tentativa de repressão. Assim, os sintomas neuróticos surgem desta premissa, pois são derivados do reprimido mas que, de alguma forma, tiveram acesso à consciência, pois a repressão falhou - passou desapercebido pela consciência, assim como uma pessoa que não foi convidada para uma festa consegue passar pelo segurança na porta.

Só se tem noção da repressão, à partir do momento que esta falha. Pois se o instinto e seus representantes sofrem o crivo do consciente não nos aperceberemos que houve a repressão, embora esta continue atuando na mente. Há um despêndio constante de energia para que se consiga manter a repressão e esta não corra perigo. No estado de sono, através dos sonhos, há o alívio da mente poder encontrar expressão.

Freud colocou que não é a repressão propriamente dita que produziria os sintomas, mas sim um retorno ao reprimido - o que também será prosa pra outro post.



+baseado no artigo Repressão (1915), Sigmund Freud.




quarta-feira, 15 de junho de 2011

"Quando a mente não dá conta, o corpo padece"

Bem, acho que já foi dito que toda a experiência que é incompatível com o ego (o eu), representa um afeto deveras aflitivo que o indivíduo tenta esquecê-lo.

Freud colocou que em sua experiência clínica, as mulheres (em sua grande maioria) associavam a incompatibilidade com a sexualidade. Lembrando que, naquele tempo (1896) havia uma repressão sexual muito forte na classe feminina. Quando se tem algo que perturba a mente e pelo qual não conseguimos lidar, temos vontade de expulsar aquilo pra longe e não pensar no assunto. Com sua experiência, Freud observou que esse esquecimento não funcionava, mas levava a várias patologias: histeria, obsessão, fobia ou uma psicose alucinatória.

A capacidade de promover um desses estados seria considerado uma manifestação de uma disposição patológica. Há pessoas mais propensas a uma histeria do que outras, assim como pessoas mais propícias à ataques de pânico, fobias e afins. Isso também já foi comentado.

O autor coloca que tanto o traço mnêmico (de memória) quanto o afeto ligados à representação incompatível estão lá encarcerados e não podem simplesmente se erradicarem. E é neste ponto que o ego de cada sujeito fará aquilo que aguenta, suporta ou está propenso em dado momento.

Não dá pra fazer desaparecer, mas dá pra transformar essa representação poderosa em uma representação fraca e suportável. Até aqui os processos de histeria, obsessão, fobia e até mesmo psicose são os memos. Mas é a partir deste ponto em que os caminhos se divergem.

Começaremos pela já dita histeria. Nesta, aquilo que é incompatível torna-se inócuo pela transformação em algo somático, o que Freud nomeou como conversão. Ou seja, passa pela via do soma, do corpo (as dores e sintomas físicos em geral). O indivíduo neste caso se liberta da contradição, mas sobrecarrega-se somaticamente. A descoberta do método catártico de Breuer (professor de Freud) consistia justamente em promover essa energia da esfera somática para a psíquica e resolver a contradição através da atividade do pensamento e descarregar por meio da fala. O que não é tão fácil, pois a causa latente é expulsa da consciência de forma bastante severa.

Quando não há aptidão para conversão, mas ainda assim uma representação incompatível ao ego, o afeto é obrigado a permanecer na esfera psíquica, ligando-se a outra representação (que não é incompatível). Graças a essa "falsa ligação" que tais representações se transformam em representações obsessivas, a tal obsessão. Freud colocou que a vida sexual dos indivíduos trazia em si as mais numerosas oportunidades para o surgimento de representações incompatíveis. A obsessão seria um sucedâneo da representação sexual incompatível.

Freud, neste ponto, escreveu algo importante: o eu leva muito menos vantagem escolhendo a transformação do afeto como método de defesa do que escolhendo a conversão em inervação somática. Ou seja, somatizar é mais fácil e aliviante, mas mais difícil de se trabalhar, pois a mente expulsa da consciência para o corpo. No entanto, uma fobia ou obsessão caracterizam a formação de grupos em que as alterações permaneceram na esfera psíquica, o que seria bem mais acessível e passível de se observar e consequentemente de se trabalhar em si.

O último recurso do ego para as incompatibilidades e talvez a mais preocupante e difícil é a psicose. Aqui, o eu rompe com tal incompatibilidade e, consequentemente, com a realidade, já que não é possível separar uma da outra. O eu se desliga total ou parcialmente - que é a condição para um estado de confusão alucinatória. Como exemplo, Freud expõe a mãe que adoece pela perda de um bebê e que passa a embalar um pedaço de madeira nos braços.

Para finalizar, Freud colocou em seu artigo que as funções mentais têm uma carga de afeto tão forte que seja aumentando, diminuindo, descolando, descarregando, somatizando e afins, as representações seriam como uma carga elétrica que se espalha pela superfície de um corpo.


+ baseado no artigo: As neuropsicoses de defesa (tentativa de formulação de uma teoria da histeria adquirida, de muitas fobias e obsessões e de certas psicoses alucinatórias), 1896. Vol III Obras Completas.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Estudos sobre a Histeria II

Na época em que Freud investigou a Histeria, suas pacientes (sim, porque eram em sua maioria mulheres) apresentavam sintomas dramáticos como desmaios, imobilidade física, distorções corpóreas, falta de apetite e afins. A grande problemática que faziam as histéricas desfalecerem era a questão da sexualidade. Naquele tempo, pudica, esse assunto era um tabu severamente abafado e reprimido.
A temática da sexualidade ainda pode revigorar, mas de lá pra cá os sintomas histéricos aparecem diante de outras várias fontes traumáticas e adquiriram nomenclaturas, classificações e monte de informações científicas. A ala masculina também passou a sofrer do mal. A dor de cabeça que não passa, uma tontura persistente, as fobias, síndrome do pânico, transtornos de alimentação como bulimia, anorexia, os enjoos constantes. Todos esses sintomas e doenças fazem parte de uma mente predisposta a tal da histeria. Freud acreditava que existia uma predisposição psíquica para a histeria.
Os histéricos, segundo o teórico, sofrem de reminiscências. É a partir de um trauma que se irrompe na mente e que se repetirá novamente, que o fato se torna uma experiência traumática. Só se caracteriza um trauma a partir do momento que alguma situação de emoção muito intensa (traumática) se repete. As experiências traumáticas não são apenas recordadas pelo histérico, pois o que ocorre é uma falta de desprendimento emocional. Não se desembaraçam do passado.
E quando a mente não dá conta, o corpo padece. Winnicott já dizia que somos um psico-soma, ou seja, mente e corpo são uma coisa só e é impossível uma separação. Assim sendo, quando se adquire um sintoma, seja ele qual for, pode-se ter certeza de que há uma conexão direta com a mente, mais precisamente, com o inconsciente. Uma coisa é certa: quando dois afetos antagônicos encontram-se em conflito na mente, esta poderá sucumbir em sintoma. Este, para ser adquirido, carece de uma condição: uma representação precisa ser intencionalmente recalcada da consciência. Ou seja, o desenvolvimento de uma incompatibilidade entre o ego e alguma ideia a ele apresentada que é repudiada e não aniquilada da mente, como se gostaria que ocorresse. Pois se assim o fosse, o  indivíduo não “precisaria” converter o trauma em sintoma. Isso de converter em sintoma é o que Freud chama de “conversão”. Portanto, Histeria de Conversão.
Essa conversão ocorre, pois a mente, como diria Freud “é um aparelho de memória”. Não esquecemos nada, apenas colocamos em outro lugar. E de certa forma, em algum momento, mesmo que aparentemente esquecido e intocado, o trauma virá à tona. Histeria de conversão é, pois, um processo de recalcamento bem sucedido, pois consegue provocar o desaparecimento total do afeto. Em contrapartida, aparece o sintoma que não passa de uma baita defesa do ego para não entrar em contato com o evento traumatizante. No entanto, o que uma pessoa não suporta, a outra pode suportar. Há mentes que dão conta de algumas coisas, outras não. Por isso há pessoas que ficam mais doentes do que outras ou que sofrem de algum mal que o outro nunca irá sofrer.
Os sintomas podem se deslocar de uma dor de cabeça, para uma dor de estômago ou uma tontura. Os que surgem posteriormente camuflam os primeiros e, na análise, a chave geralmente está em alcançar os primeiros e a matriz traumatizante que desencadeou aquele sintoma perturbante.